segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A morte das abelhas (Postagem reformulada)

                                                          (Desenho extraído da Internet)



 Não é a primeira vez que encontro uma abelha solitária à espera da morte. Andam, andam e depois param. Vendo-as imóveis no chão ou na parede, basta um pisar, uma chinelada e... pronto, eis uma execução rápida e, como dizem, por bondade. Bondade? A abelha e seus olhos de centenas de campos de visão focados um a um, certamente, veria o objeto fatal em lenta, lenta aproximação até, finalmente, ver-se esmagar. Todo inseto tem consciência do que está a ameaçar sua vida. Elas não vieram à luz para, ao final dela, sofrerem desajuizado pisoteamento, mas pra quem gosta de brincar de deus...

Na rua da minha infância passava o mundo. Os meninos diziam a seguinte frase quando alguém ameaçava matar uma abelha encontrada em estado terminal "Não presta matar abelha". Meio dogmático, meio supersticioso, não acham? O fato é que eu, incapaz desta crueldade, e antes da predita temeridade que pudesse advir na vida de quem ousasse tal gesto, perguntava-me sobre o triste fim daquela criatura depois de ela trabalhar tão laboriosa e intensamente por toda uma vida, agora rejeitada e expulsa da colméia, sem forças porque faminta, abandonada à própria sorte. Não me bastava a razão de ela nos ter sido útil para produzir mel, eu queria saber dela, da abelha, da sua experiência, enfim, esperava encontrar significado para aquilo.

Por outro lado, eu via como crueldade o gesto do menino que a matava com uma pedra, e lamentava saber desta escolha pelo lado impiedoso, como a da competição no estilingue para acertar o passarinho pousado na fiação elétrica entre postes. Aí eu repetia "Não presta matar passarinho". Respondiam que iam levar pra mãe conzinhar, e davam risadas com ares de mais espertos.

Como na époda da minha infância todos andavam descalços pela rua de terra, sempre tinha um a dizer que se não a matássemos alguém poderia pisar em cima e ficar com o ferrão enterrado no pé, doendo muito, muito. Tinha-se que matar preventivamente pelo medo da dor que ela poderia nos infligir. Eu sempre as  carregava para o mato com ajuda de uma folhinha. A questão que me passava era o porque de elas terminarem sozinhas, cara a cara com a morte, e depois de vivido num enxame de suas iguais. 

Anos se passaram, e ainda encafifado com a morte das abelhas, imaginava que elas poderiam morrer como alguns de nós: fulminados por um ataque cardíaco. Eu ainda não tinha encontrado o real sentido da vida, ainda tinha medo do triste fim, ainda tinha medo do sofrimento, ainda tinha medo da morte. Morte?

Lembro-me do "Mito de Sísifo". Ele empurrava uma enorme pedra montanha acima para, depois, vê-la rolando montanha abaixo, e voltar empurrá-la até o topo para, depois... Só se for isto: tragédia e mais tragédia para todas - todas - as formas de vida. Aqueles meninos que executavam abelhas com uma pedra acreditam que assim seja, piamente. Bom pra eles que, desde cedo se condenaram empurrar a pedra que se agigantou em suas mãos no decorrer dos anos.

É preciso deixar a pedra, mas se esta ficou de tamanho semelhante à do Sísifo, porque não quebrá-la para o calçamento de um novo caminho, mesmo porque já são muitos os que trabalham na construção de um mundo bem melhor do que é para os Sísifos.

Jairo Ramos Toffanetto

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