domingo, 6 de fevereiro de 2022

Murilo Mendes (1901-1975) A vassoura - Prosa

A vassoura

A vassoura é certamente uma das máquinas mais úteis e poéticas. Como dança! Vem de tradição ilustre. Vassouras das feiticeiras das noite de Valpurgis, vassouras das feiticeiras de Shakespeare, vassouras parentas do barão de Vassouras. Tem-se varrido tanto desde que o mundo é mundo: a vassoura varre mais do que o próprio vento.

Mas ainda existem muitas coisas, pessoas e sistemas a serem varrido, ahimé

A postos, sólidas vassouras da terra, varrei os lados negativos da vida e da organização social, varrei, varrei, varrei! De olho e ouvidos atentos vos aplaudiremos.

Vassouras não de ouro ou prata: de madeira, piaçava ou rabo de cavalo. Uma ilíada em marcha, e comprada a prestações! Compraremos a prestações também o saldo dessas categorias "superadas", o belo, o bem, o verdadeiro?

O vaivém, o ritmo dissonante das vassouras rodando no espaço lustroso do pavimento, que recebe embora padecente (às vezes estala protestando) a sujeira, a poeira de nossos passos passados presentes e futuros, passos perdidos no paço, nas cabana, esperando o impulso violento da vassoura final. Murilo Mendes

Poliedro , publicado em 1972 pela Livraria José Olympio Editora

Poliedro, em 2017 pela Companhia Das Letras

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