sábado, 30 de outubro de 2010

O breu é a luz da ribalta



(Imagem extraída da Internet e negativa para edição)

       Há três dias das eleições para Presidente da República, vejo o pessoal com quem trabalho – umas trinta pessoas - e nenhuma referência sobre a decisão dos destinos do país. Também não é de futebol que estão falando, ou das novelas, ou de qualquer tema que domine o cenário nacional. Se é que disto posso tirar uma mostra em grande escala, só reafirma a minha impressão de que vivemos uma época sem paixão. A indiferença graça.

       Uma amiga contou-me que nos tempos de colegial vividos por ela na cidade do Rio de Janeiro, sua turma se dividia em preferência entre Drummond e Bandeira. Na mesma época, aqui em Jundiaí, os professores de minha escola pública fizeram um convite para que as classes se juntassem aos sábados à tarde com jornais, revistas, livros e discos, e com a recomendação de que abríssemos uma discussão livre do que se passava no país e no mundo, especialmente para o exercício da opinião própria e da oratória, formando, assim, uma comunidade de indivíduos mais fortes e imunes a comum alienação da realidade de então. Isto se passava na década de setenta, e a presença dos alunos foi marcante, especialmente pelo entusiasmo daquele encontro e, como resultado, mudou o perfil das herméticas rodinhas de recreio.

       Através dos meios de comunicação e da interação entre amigos, tentávamos entender tudo o que estava em torno. A revista “Realidade” tinha peso entre nós, adolescentes. Vivíamos os tempos de movimentos como a “tropicália”, o “flower-power”, o “black is beautiful”, do rock n’ roll, dos cinemas italiano e francês. O temerário psicodelismo, a contracultura, tinham o contraponto, além da escola, da roda de violões nas praças, esquinas, e em torno da fogueirinhas que se fazia nas noites de lua.

       No “Estadão” (Jornal o Estado de S.Paulo), eu, particularmente, acompanhava a coluna editorial de Fernando Pedreira e os ensaios de Octávio Paz. Colecionava disco de MPB, Jazz, rock e música erudita. Nem Ravi Shankar escapava do meu interesse. Era fâ tanto de João Gilberto, Jorge Bem, Cae e Gal, quanto de Thelonious Monk a Hendrix. Curtia a poesia jovem dos anos setenta, como a do Chacal, p.ex., mas fã mesmo, eu era de Mário Quintana, e o sou até hoje. Também amava a embriagues declamante dos versos de Castro Alves, de Pablo Neruda. O ponto máximo era repetir seus versos de frente ao mar, ou de procurar a melodia deles ao caminhar descalço pela areia da praia.

       Os anos foram passando, e ao reencontrar os remanescentes daquela turma, ainda discutíamos vividamente os posicionamentos políticos de um Ulisses Guimarães, de um Teotônio Vilela, de um Arthur da Távola, e para não perder o costume, ainda abríamos novas áreas de interesse com Rimbaud, com Nietzche, a música dodecafônica, e assim por diante. Já sentíamos o esvaziamento daqueles bons tempos vividos nas escolas e pelas esquinas da cidade. A mocidade, vivia um período extremamente depressivo em escatologia mundial. Bem diferente da entusiasmada geração dos tempos da brilhantina, a da bossa-nova, beatlemania, MPB. Despedíamos-nos dos últimos estertores de um sentimento poético que esteve misturado no ar e que esvaecia. No começo da década de oitenta ainda tivemos um último estertor da MPB e que surgiu em alto astral para sumir com o assumir da música brega. Nada ficou. A breganização tomou conta da década de noventa, inclusive com a música eletrônica, e esta, sem pé nem cabeça. Uma pandemia da bossalização, e creio, foi que abriu passagem para temos o presidente que temos em pleno século XXI.

       Hoje, o que temos? Há alguma poética no ar que escapa dos meus cinqüenta e seis anos? Na literatura nacional, p.ex., quero que alguém me mostre algo de novo desde a geração pós-modernista? Claro, houveram grandes escritores, como o argentino Julio Cortázer. Para mim, depois de tantas e tantas, o “realismo mágico” não me basta. Cadê os grandes livros de época, como uma Margarite Yourcernar, um Humberto Ecco, e até um Fernando Namora.

       Não, meus amigos, nada temos de novo a nível nacional ou mundial. Vivemos a época mais escura e triste de todos os tempos. Todavia, é no escuro que está o botão velado e que brota através de princípios eternos, e é através destes princípios que Um Mundo Bem Melhor vem sendo construído na extensão do coração de gente que vieram para outra coisa.

       No domingo decidiremos por Serra ou Dilma, que pena... não vejo esperança em nenhum dos lados. A verdade está em outro lugar, um lugar inteiramente novo. Seja quem for o eleito, que pena, será o presidente lá do fim do mundo. Só me resta lamentar por esta sorte do Brasil, e o resto do mundo não fica nenhum pouco atrás. O breu é a luz da ribalta.

Jairo Ramos Toffanetto

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Túnel do Tempo



OP. 319
(A pedido do amigo Caio Jupert Fraga, haicais criados para o evento “Túnel do tempo”)

Op. 319.1

Do botão velado
pétala a pétala se abre
à luz da Verdade


Op. 319.2

Ao botão velado
vinga na terra a Coragem
da haste de espinhos


Op. 319.3

À luz da Justiça
abre-se o botão velado
acima dos espinhos


Op. 319.4

“Liberdade”
Por espaços abertos
na luz, vôo livre da Paz,
néctar a néctar


Op. 319.5

Ao Mestre da Luz,
Mundo Bem Melhor é sede
de sentimentos harmônicos


Op. 319.6

Fenda no espaço/tempo,
um laço, um túnel mágico
do Amor que vem

© Jairo Ramos Toffanetto

domingo, 17 de outubro de 2010

A Borboleta de Atacama


O televisor mostrava o momento em que o sr. Franklin Lobos, de cinqüenta e dois anos de idade, preso a dois meses numa mina de cobre começava a ser içado para a superfície. Creio que desde a descida da Apolo 11 na Lua, nada mobilizara tanto a atenção mundial quanto este desmoronamento que deixou trinta e tres mineiros presos a setecentos metros de profundidade.

Até chegar à superfície, enquanto a cápsula percorria tal distância por um buraco laboriosamente aberto entre rochas, os reporteres contavam que Franklin, junto de um colega, dirigia um caminhão dentro da mina, e quando ele viu o inusitado de uma borboleta branca tão longe da luz do dia, reduziu a velocidade do veículo para melhor admirarem aquele feito surpreendente e, em sequencia, ocorreu um desmoronamento à sua frente. Não fosse a borboleta e a atenta desatenção deles, isto é, se mantivessem o veículo na velocidade em que era dirigido, certamente estariam soterrados sob toneladas de rocha. Coincidência?

Tudo que se sucedeu no Chile, especialmente o exemplo de respeito, solidariedade e amor ao próximo, inscreveu-se em meu coração e, certamente, no de milhões e milhões de pessoas. Um testamento da verdadeira história da humanidade, ou pelo menos no que se pode acreditar do que seja a nossa história, afinal, o mundo nunca esteve, por toda parte, tão violento, cruel e sórdido como nos dias de hoje.

Ai a borboleta do deserto de Atacama... que maior símbolo, senão o poético, poderia representar tão exemplares e nobres esforços em favor da vida, e nos encher de confiança para com o melhor que temos dentro. O Chile deixou para o mundo uma grande lição de esperança, determinação e equilíbrio em meio a uma luta sem tréguas atrás de um objetivo. Podemos nos orgulhar com aquela nação vizinha, pois a humaninadade retomou o patamar de onde nunca deveria ter deixado escapar, o patamar da civilização.

Jairo Ramos Toffanetto

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Viemos para trazer e compartilhar o belo.

Do íntimo do inverno seco,
eis a primavera.

Vento polar se move por cores brilhantes.

Céu azul, nuvens passantes sob cirros,
desenho animado do eterno presente.

Teu coração veste o manto verde da campina.
Em oferenda, flores se abrem.
A intimidade do cosmo
desprende-se no ar.

O inverno garantiu as flores.
É primavera em teu coração.
É natureza divina que bate no peito.

A primavera abre as flores em preparo de frutos ao verão.

No agora estão todos os dias que se foram e os que chegarão.
Estamos sob a luz do dia eterno.
A Terra é uma promessa no tempo.
Tempo para novas estações.
Resta-nos trabalhar o belo.

A vida na Terra veio para trazer e difundir o belo.

Jairo Ramos Toffanetto

domingo, 10 de outubro de 2010




Op. 422

Grilo salta pra ver
os versos que pirilampo alumia


Op. 423

Cai a tarde e as estrelas
só para ouvir o grilo

Op. 424

Toda noite os grilos
contam as estrelas do céu,
estrídulo a estrídulo


Op. 425

Vaga-lume guia a volta
 do grilo que se perdeu das estrelas

© Jairo Ramos Toffanetto

Verbo “pessoar”




Pessoa tanto sentia a outra pessoa que se repessoava nela. Como bom português que era, Fernando tinha muito a velejar de sua cadeira diante da mesinha. Detinha-se apenas o bastante em cada porto ou só até incorporar o continente. Sua cadeira, vazia de si mesmo, era uma nau onde tudo cabia enquanto essência. Vivia em profundidade oceânica e, neste caldo original, paria-se rente à pele, sem esforço. “Criar é preciso”, disse ele. Hipócritas ou fingidores são estéreis, pastam o desamor na dimensão dos desalmados.

© Jairo Ramos Toffanetto

sábado, 9 de outubro de 2010

Há uma borboleta em cada mariposa




Enquanto cativos da escuridão e portadores de raiva, nenhum morcego conhecerá o sabor das borboletas porque estas vivem na radiação luminosa. Se as cores da poesia sinalizam grave indigestão – algumas espécies de borboletas também vagam na noite escura. Por temerem o arco-íris, cativos da escuridão acreditam que as belas borboletas lhes envenenem o sangue, alterando sua natureza.

Pois caçam mariposas por causa da atração destas por radiação luminosa. Mariposas preferem queimar-se na lâmpada ou morrerem exaustas tentando entrar no globo do que cair nas garras de cavernosos disseminadores da raiva, ainda que imunes a ela, não permitem que lhes machuquem o eu.

Enfim, em ensolaradas montanhas nasce uma borboleta para cada mariposa que escapa da boca das trevas ou tomba tentando passar para a luz. É de lá que elas vem até à cidade para nossos olhos se encontrarem com elas.

Jairo Ramos Toffanetto

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Trinta anos atrás

                                            (Foto de Yung Gautama Toffanetto)

Eis a tela de 1980 citada na postagem anterior.






A caixa + instalação elétrica para lâmpada fluorescente tubular.




Na tampa trazeira da caixa.

Jairo Ramos Toffanetto



domingo, 3 de outubro de 2010

Habitando nos quatro elementos


                                                                        (FotoVisão)

Sempre gostei de desenhar. Uma diversão. Mas quando fui para a tela de pintura, de pronto percebi algo sério, maior que eu. A partir dali tudo mudou, p.ex., parei de brincar de escrever, mas não de brincar, nem de escrever. Se a minha pintura ia de encontro aos cânones da arte ou não, digo que isto não tem importância alguma para o estar em movimento criativo. 

Comecei a fazer pintura sobre tela em 1978. A tela acima foi uma das primeiras, criada no carnaval de 79. Eu tinha em casa um tecido chamado amorim, daqueles que eram usados para se confeccionar faixas que se colocava nas ruas da cidade, hoje sáo os ditos "banners". Passei o serrote numas ripas, preguei-as, estiquei o pano e nele passei cola que fiz com farinha de trigo, de secagem rápida, coisa que aprendi na meninice.

Ainda me lembro do som do serrote, do martelo sobre os pregos, assim como da explosão lux sobre o terraço da casa de meus pais. Pois foi daquelas iluminação, que achei de cobrir a tela com um profundo tom roxo em tinta a óleo, e era sob aquele sol magnânimo que ela deveria ficar para secar, em pé, para a tinta escorrer indelével, pois ali imaginei que, das micro rachaduras sem tinta, algo como "craquelê",  poderia escapar luz se a tela fosse adaptada numa caixa com uma lâmpada dentro. Na fim da tarde de segunda- feira de carnaval, ela já estava totalmente seca.

Com a tela entre as mãos, o desejo de estar entre tintas e pincéis começou a me pegar mais forte. Não daria tempo de construir a caixa e, depois, pareceu-me incerto reproduzir o efeito do sol que eu via por traz da tela, o que demandaria muitos experimentos técnicos. O processo preparatório, a criação do estado da criação estava em transformação, em curso. Exigia novas soluções. Uma coisa era certa, eu sentia que ainda naquele dia eu teria a tela finalizada. Estreitava-se o momento de fechar o ciclo, o ciclo do velado substrato para o mundo das formas. Estar no meio daquele processo dava-me um sentido, o da aproximação extraordinária. A conclusão dele só poderia se dar da mesma forma, sentia eu. A idéia viria na hora. Preparava-me para expressar o que não sabia, e com absoluta certeza de a expressar.  

 Faria, pois, do meu quarto uma caixa escura para lâmpada. Pois, então, abri um buraco no fundo de uma lata de palmito vazia e nela adaptei uma lâmpada de vinte e cinco velas. Coloquei-a sobre o guarda-roupas, junto ao ângulo reto formado pelas paredes. O foco de luz voltado para a confluência dos cantos das paredes e teto. Tudo pronto para começar a pintar, mas o estado de criação artística, pronto para a execução, ainda não acontecia. Nada mais eu tinha que fazer para construir aquele estado. Era só esperar. De vez em quanto eu abria a porta e lá ficava por um pouco, sem nada pensar a respeito, apenas sentindo.

Depois da meia-noite,finalmente entrei no quarto e tranquei aporta. Notei o silêncio da casa. À meia-luz, e que só não bruxuleava porque não era de velas, percebi que não daria para usar tinta a óleo. Sai pela casa à cata de folhas de jornal com as quais forrei o assoalho e coloquei a tela descansando em cima. Como eu tinha uma porção de frasquinhos de tinta acrílica para tecido usados em outros experimentos, escolhi-os através do que a fraca iluminação me permitia, algo meio intuitivo. Só faltavam os pincéis, mas preferi deixá-los no escuro, e pintar com o que me viesse às mãos.

Foi assim que pintei a tela à cima e, depois de trinta anos deste feito, o nome que ficou para esta tela é "Habitando nos quatro elementos".

Obs. 1.: Se alguém clicar sobre a tela, poderá ver a minha assinatura. Nas telas daquele tempo eu assinava Oriaj, e que é Jairo de trás para frente. Para vê-la, clique na foto e, depois, no canto inferior direito.
Obs. 2: Em 1980 eu pintei uma tela com tinta acrílica executada com iluminação por traz, o que me levou a construir a tal caixa com iluminação em seu interior. Onze anos depois eu pintei uma outra tela à óleo e que depois de pronta pode ser vista como uma releitura daquela. Esta tela à óleo é a que está estampada na página inicial deste meu blog.

Jairo Ramos Toffanetto

sábado, 2 de outubro de 2010

O molde do coração

Para colocar o cosmo em nosso íntimo, o Poeta Maior precisava de um molde, um molde que pudesse conter tal dádiva. Abriu nosso peito e, sem o fechar, ali deixou, no altar da amizade, um botão de rosa para que o eterno se abrisse em toda a sua beleza e, no seu olor, revelasse a intimidade da sua origem até os confins do cosmo. E foi assim que nos tornamos poetas do sentir, poetas do coração, aqueles que podem ler a Poesia escrita nas pétalas das flores, desde o botão velado. Eis a filosofia: pura Poesia

Jairo Ramos Toffanetto