“E este relógio aí... ganhou do teu pai?”
Era o que as pessoas, cedo ou tarde, perguntavam ao me verem usando um relógio de bolso, e se sentiam frustradas ao ouvir a resposta já inserida na pergunta. No fundo, elas queriam ouvir uma história, e tanto melhor se fosse um causo. Então lhes contei exatamente o que queriam, ou quase:
“Quando o meu pai fez dezoito anos de idade, ganhara o Roscoff que era do pai dele, o Sr. Ernesto, meu avô, e logo depois o perdeu no meio do cafezal. Acho que foi por isto ele só me deu o relógio quando eu completei vinte e um anos.
Logo ele partiu para a capital e só voltou trinta anos depois. Sentia saudades de Dois Córregos, cidade do interior paulista e sua terra natal.
Visitando a colônia de italianos onde morava, chegou às cercanias do antigo cafezal. Não havia um único pé de café, mas o velho e enorme cupinzeiro ainda estava lá.
Ocorreu-lhe que fora sobre ele a última vez que namorara o seu presente, e imagens de sua infância até a adolescência começaram a passar em sua mente, e foram tão intensas que o fez sentar-se ao chão em frente do cupinzeiro.
Ele não sabe dizer quanto tempo ficou ali sentado, mas já não pensava mais em nada quando observou uma enorme cascavel saindo de baixo do cupinzeiro. Mais tarde um reflexo de metal bateu em sua vista.
Sem tirar os olhos, foi de cócoras até chegar ao ponto de origem e, para sua surpresa, deparou-se com o seu velho Roscoff Patent engastado entre uma pedra e o cupinzeiro.
Vendo que o ponteiro de segundos se movia normalmente, verificou que marcava a mesma hora e minuto do seu relógio de punho. Colou-o na orelha e, enquanto ouvia seu tictaqueado como música, pensou “Isto não pode ser apenas uma coincidência”.
À procura de uma causa factível, ao recolocar o relógio na exata posição que o encontrara, observou que o botão de dar corda ficava exatamente no caminho da cobra.
Quando a cobra voltou e passou sobre o relógio, ele ouviu o som característico do dar corda no relógio, e assim se explicava o seu funcionamento por trinta anos sem atrasar um minuto."
. . .
Na boca da noite, fui encontrar-me com meu pai no terraço para lhe contar o “causo”. Ele o ouviu com o entusiasmo de um menino, o mesmo que eu tinha ao ouvir os causos que ele contava em minha infância. Ao final dele, e com um sorriso maroto estampado em seu rosto, disse-me o seguinte:
- Filho, eu contei doze guizos no chocalho daquela cobra. Isto significa que ela tinha doze anos de vida. Aliás, foi o maior número de guizos que eu já vi, e isto significa que para mantê-lo preciso com a hora de Brasília, no mínimo três gerações da família Crotalus Terríficus passaram dando corda no Roscoff.
Obs.: Imagem extraída da Internet
Jairo Ramos Toffanetto
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