quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Aprendendo com o incompreensível (Conto de JRToffanetto)


Google Imagens
Em modo invisível, o pesquisador Ellé aporta em uma sala de espera. Vê muita gente usando óculos como em extensão do corpo. Estranhas armações presas atrás da orelha e apoiadas no nariz de modo a sustentar lentes arredondadas na frente dos olhos a lhes permitir enxergar pra perto ou pra longe.  

Pede para abortar a missão dizendo que os olhos terráqueos dependiam de óculos, e por esta razão não eram mágicos como se supunha, mas sua solicitação lhe é negada. Deveria manter-se em observação.

Um baixinho de compleição física atarracada com ares peseudo intectuais, atravessa o corredor com óculos pendurados pelo pescoço à frente do peito. Alguém limpa as lentes de seus óculos com flanela, outro as esfrega contra a calça. Observa gente usando as hastes para coçar o alto das costas, para girar a armação nos dedos, mordiscá-las...

Uma “senhorinha” para à frente da porta de entrada e troca de óculos. Com o novo em uso, procura algo dentro da bolsa. Retira papéis, vistoria-os pausadamente e com um deles às mãos se dirige ao balcão da recepção. Recebe uma senha e se senta, tira um livro da bolsa e não o abre para ler. Seus olhos ficam a olhar para o vazio. Parecem assistir a um filme da sua vida recente.

Uma moça de porte e roupas elegantes vem se aproximando do pátio externo para a porta de entrada. Usa óculos ray ban azul degrade. Depois da senha, ela se senta retirando seus óculos ray ban azul degrade do alto da cabeça. Deixa-o na cadeira ao lado enquanto revira o cabelo modificando seu penteado. Inspeciona-o à frente da imagem self  do seu celular. Tira um livro pra ler mas não o abre. Seus olhos fitam o vazio.

Um homenzarrão se aproxima com óculos escuros, mas ao atravessar a porta pro lado interno suas lentes ficaram claras. Depois de ele passar pelo balcão ouve um crackt ao se sentar. Troca de cadeira e  verifica sobre o que se sentara. Assusta-se e recolhe os óculos despedaçados. Esconde-os fechando as mãos.

A moça toma rumo da porta de saída, mas ao passar a mão no cabelo se volta à procura da cadeira na qual esteve em espera. O homenzarrão ocupava aquele local. Pergunta-lhe por um óculos azul. Ele abre a mão e, sem desculpar-se pelo acidente, mostra-lhe o despedaçado ray ban escuro degrade. Ela não perde a classe. Diz-lhe que ”eram só pra sol mesmo”. Vira-lhe as costas e lágrimas de seus olhos azuis se precipitaram cruzando as faces. 


A missão do pesquisador viajante se cumprira, mas recebe ordens pra sair atrás na mulher da lágrima e materializá-la para o planeta aonde estavam, do outro lado da Via Láctea. Ellé desliga todos os contatos e sai atrás da moça, antes, porém, das mãos do homenzarrão retira os óculos ray ban azul degrade. Esquadrinha-o holograficamente e o materializa. Alcança a moça da lágrima e lhe chama dizendo:


- Moça, moça, aqui estão os seus óculos, intactos.
 Ela se volta. Ao vê-los, novas lágrimas cruzam o rosto.
- Mas eu os vi quebrados, como é que podem estar inteiros.
- Ellé retira um lenço do paletó e o estende a ela. A moça permanece imóvel. Ele lentamente leva o lenço ao seu rosto e lhe enxuga as lágrimas dizendo:
- Eu estou com fome, você tem algum lugar pra me indicar. Ela o leva a uma padaria perto dali.

Ao entrarem, ele observa que todos ali olhavam para as telas planas de televisores. Ela pergunta a Ellé o que ele quer comer. Como a resposta não vem, diz-lhe que pedirá um croissant. Ele responde que também quer um. Ao lhe levar o salgado, nota que ele estava com lágrimas nos olhos. Tudo o que Ellé vê está a transmitir para o outro lado da Via Láctea. A missão fora abortada, e ele rompe todas as conexões com seu planeta de origem.

Ela o toma pela mão e saem da padaria. Já na calçada ele diz a ela. Hoje, um planeta foi liberto pelas suas lágrimas, pelas lágrimas da Terra, e até pelas minhas lágrimas. Nunca mais será o mesmo.

- Oh um poeta, exclama ela.
- Apenas um ser humano que acabei de me tornar, ainda tenho muito a aprender com o sentir.

JRToffanetto

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