sábado, 3 de setembro de 2011

O malvado do espinho (conto)

pétala a pétala
verso a verso
olor a olor 

roses photos Fabio Visentin
www.fabiovisentin.com


A moça está com pressa. Passa por um botão de rosas e nem se dá conta dele. Um espinho malvado espeta sua meia de seda e lhe puxa um fio. Ela sente o fio sendo levado e se volta para se certificar da causa quando seus olhos são paralisados por uma rosa em botão. O tempo pára.


Uma pétala estava aberta. O sorriso dela também. Uma contempla a elegância da outra, doam-se com generosidade. Íntimas da pureza, essências são trocadas na eternidade. A delicadeza se funde com a alma do universo.


De súbito, sua face, ainda empalidecidas com o assalto ao fio de seda, é tomada por leve rubor. Pressente que alguém a assalta com o olhar. Ela não vê, mas na alvura do doce botão, o tom rosa expande-se como tinta líquida.


Descoberta em seu íntimo, transita do encanto e formosura das flores para a graça fugidia dos inocentes pássaros. Retira-se no compasso dos seus saltos altos pela calçada. Nos seus passos decididos, caminha o primor na leveza. Recendendo rosas, a rua silencia-se para ouvi-los.


Junto daquela flor, um poeta exclama:


- Eis a rosa do meu amor.


Está a destacar a botão de rosa pela haste, quando vira o rosto em direção à moça que se distancia. Mal sente ferindo o dedo em um espinho. Também não percebe que com o seu sangue, o botão tornara-se rubro. Intrépido, transita do coração em chamas ao conquistador galante.


Seus passos são silenciosos, vão acima do chão, parecem voar. Ele procura por uma expressão sedutora, mas a dois passos dela a inspiração poética que o move não se traduz em versos. É tragado pela atmosfera rosa que da moça está a recender. Sente-se em chamas, e chamusca a pétala da rosa que vinha aberta no botão


Sem conseguir aplacar as marteladas do coração, quase não respira. Retém a aproximação. Tenta respirar, mas sente o coração travando a entrada de ar. Num esforço supremo, o ar entra e produz um som arfado, aflitivo, e ele se desespera. Ao ouvi-lo, a moça se volta e o vê assustando-se. O coração do rapaz o está fulminando.


Nas mãos dele, ela vê um familiar e solitário botão de rosa vermelha com uma pétala ferida. Era como ela se sentia em relação à sua meia de seda, e admira a cor, já em rosa, do botão. Uma eternidade se passa.


No desenhos dos lábios, o rapaz identifica a expressão da moça transitando para um indelével sorriso. Ao contempla-la tão de perto, nem percebe que seu coração já bate tranqüilo. O seu peito suspira por ela e uma valsinha lhe escapa com um assobio. Entreolham-se encantados. Sorriem


Finalmente ele estende o botão vermelho dizendo:


- Eis a rosa do meu amor.


Ela o recebe com a leveza de uma pluma. Ao ampará-lo pela haste, vê o fio de seda enrolado no malvado espinho. O rapaz também o vê. Agora ele sabe.


Fecha-se a pétala que ela vira solitariamente aberta. A moça esquece a flor, a declaração de amor, o rapaz. Vira-se para a rua e a atravessa com passos apressados. O botão de rosa cai aberto no alfalto, sua cor é champagne. Um pneu de ônibus crava-se na haste de espinhos e a leva.


Esmagada no meio da rua ficou a rosa. Sua cor era champagne.


(continua)
Jairo Rmos Toffanetto





Nenhum comentário: