sábado, 28 de junho de 2014

Confrontando-se com o Ogro (Crônica da linha do trem)

FotoJRToffanetto




Eu vi o cara se aproximando. De repente ele cruza a linha do trem em diagonal e vem na minha direção. Tentaria roubar minha máquina fotográfica? Achei que não, pois ele estava bem vestido e não aparentava feição mal intencionada. Mas eu não tinha dúvida de que seria abordado por ele. Eu estava pronto para enfrentar qualquer tipo de coisa. Ele passou por mim sem dizer palavra e, alguns passos adiante ele se vira pra mim e diz:
- Não pega amor, não.

Que espírito é este, perguntei-me eu. Catedrático da desilusão? Então o amor é o grande vilão da história? Era da paixão que ele falara? E as pessoas sofrem sofrem sofrem e nada aprendem, nada constroem, não crescem. Ou o bendito não pode ver o que ele gostaria fazer, ou ser, mas se sente interditado pela vida? O sentimento do belo é tão doido assim que deve ser evitado? Enfim, achei que ele, do alto de sua douta sabedoria, não me recomendava a loucura e, então, dei uma de surdo e lhe perguntei mais uma vez:

- O quêe...?
Ele não interrompeu a passada. Virou o rosto e repetiu:
- Não pega amor, não.
Desta vez ele obteve resposta. Pois respondi-lhe com uma gargalhada de doido, repetida pro três vezes, todas iguaizinhas. O cara nem olhou pra trás. Enfiou as mãos nos bolsos e apertou o passo. Então eu ri de verdade. Acho que o cara só não saiu correndo pra dar uma de que era macho de verdade. Vai saber se ele não molhou as calças!!!

Maldade?

Poxa, pensei eu, eu deveria ter uma resposta mais simples. Responder-lhe algo que fosse ao encontro dele ao invés de mexer com seus medos ocultos. Vi-me, então, como criança que mostra a língua, e novamente ri. Mas o que caberia na cabecinha daquele cidadão saído do meio do mato eu não sabia. Soube mexer com os medos dele, mas tinha a menor ideia do que lhe dizer para lhe deixar um registro em sua mente, deixar-lhe uma marca no eu, como uma sinalização para, quem sabe um dia, ele se encontrar diante do belo de uma forma mais amistosa do que aquela, mas... vai ver que era um cascudo destes que ele tava precisando pra nunca mais castrar sonho de inocentes, especialmente das crianças. Incomodava-me por dar um tombo num ogro - um matador de sonhos. Procurava por uma palavra simples, direta, franca.

Enfim, terminada minha sessão de fotografagem, segui pela calçada da Rua dos Ferroviários rumo à estação de trem, e eis a resposta que eu procurava. Fotografei-a. Pois alguém desenhara ALMAS em um muro da calça oposta. Um outro passou por lá é escreveu em sobre "Almas": FÉ EM DEUS.

"Eureka, era isto que deveria ter dito para o Ogro."

JRToffanetto

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