domingo, 29 de março de 2015

Brasileirinho (Crônica de uma época)





Tenho uma história do meu pai para contar. Eu deveria ter uns quatro anos de idade. A televisão emplacava na rua da minha casa. O Sr. Orlando a tinha como mais um eletrodoméstico entre as novidades da época, e não passava disto. O que ele mais gostava era de música, e isso o fez comprar uma radio vitrola linda. Estávamos na década de cinquenta.

Depois da missa de todo santo domingo, ele passava em uma antiga charutaria em frente da  Igreja da Vila Arens. De lá ele voltava pra casa com um pacote de frágeis discos de carnaúba em 78 rpm. Na parte da tarde a nossa sala de visitas ficava lotada de gente para ouvir música. Adultos e crianças iam chegando e entrando. Sempre tinha alguém na porta dizendo:
- Com licença seu Orlando.

As crianças iam vestidas com primor. Lembro-me das meninas com saias rodadas e meias três quartos sobre os sapatos. O tradicional café com bolo caipira era religiosamente servido. As bolachas champanhe era a grande sensação entre a garotada.

Em uma daquelas tardes encantadoras onde o tempo escorria mais que devagar, ouvi meu pai dizendo que o disco que ele colocaria a seguir era um compositor muito conhecido. Ele toca cavaquinho.
- Já sei que música é, Sr. Orlando. É “Brasileirinho”.
A música fora composta em 1947 e era o maior sucesso da história do chôro, mais até que Tico-Tico no Fubá de Zequinha de Abreu.

- Certo, respondeu o meu pai. Ele seguiu contando que o Waldir Azevedo estava sem um jogo de cordas para o seu cavaquinho e nele só havia a primeira delas de baixo para cima. Foi assim que ele, em uma única corda criou “Brasileirinho”.

Embora aquelas tarde musicais se transformassem em encontro social e de prolongadas conversas entre os adultos, fez-se silêncio para ouvir aquela música, e eu me orgulhei do meu pai, pois senti que ele contara a história para ouvir a música do jeito que ele gostava, em silêncio. Quando a radiovitrola parou de tocar, ninguém ousou falar nada. Todos estavam tomados pelo “Brasileirinho”.
- Põe de novo, Sr Orlando.

JRToffametto


Nenhum comentário: