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FotoVisão |
Sempre gostei de desenhar. Uma diversão. Mas quando fui para a tela de pintura, de pronto percebi algo sério, maior que eu. A partir dali tudo mudou, p.ex., parei de brincar de escrever, mas não de brincar, nem de escrever. Se a minha pintura ia de encontro aos cânones da arte ou não, digo que isto não tem importância alguma para o estar em movimento criativo.
Comecei a fazer pintura sobre tela em 1978. A tela acima foi uma das primeiras, criada no carnaval de 79. Eu tinha em casa um tecido chamado amorim, daqueles que eram usados para se confeccionar faixas que se colocava nas ruas da cidade, hoje sáo os ditos "banners". Passei o serrote numas ripas, preguei-as, estiquei o pano e nele passei cola que fiz com farinha de trigo, de secagem rápida, coisa que aprendi na meninice.
Ainda me lembro do som do serrote, do martelo sobre os pregos, assim como da explosão lux sobre o terraço da casa de meus pais. Pois foi daquelas iluminação, que achei de cobrir a tela com um profundo tom roxo em tinta a óleo, e era sob aquele sol magnânimo que ela deveria ficar para secar, em pé, para a tinta escorrer indelével, pois ali imaginei que, das micro rachaduras sem tinta, algo como "craquelê", poderia escapar luz se a tela fosse adaptada numa caixa com uma lâmpada dentro. Na fim da tarde de segunda- feira de carnaval, ela já estava totalmente seca.
Com a tela entre as mãos, o desejo de estar entre tintas e pincéis começou a me pegar mais forte. Não daria tempo de construir a caixa e, depois, pareceu-me incerto reproduzir o efeito do sol que eu via por traz da tela, o que demandaria muitos experimentos técnicos. O processo preparatório, a criação do estado da criação estava em transformação, em curso. Exigia novas soluções. Uma coisa era certa, eu sentia que ainda naquele dia eu teria a tela finalizada. Estreitava-se o momento de fechar o ciclo, o ciclo do velado substrato para o mundo das formas. Estar no meio daquele processo dava-me um sentido, o da aproximação extraordinária. A conclusão dele só poderia se dar da mesma forma, sentia eu. A idéia viria na hora. Preparava-me para expressar o que não sabia, e com absoluta certeza de a expressar.
Faria, pois, do meu quarto uma caixa escura para lâmpada. Pois, então, abri um buraco no fundo de uma lata de palmito vazia e nela adaptei uma lâmpada de vinte e cinco velas. Coloquei-a sobre o guarda-roupas, junto ao ângulo reto formado pelas paredes. O foco de luz voltado para a confluência dos cantos das paredes e teto. Tudo pronto para começar a pintar, mas o estado de criação artística, pronto para a execução, ainda não acontecia. Nada mais eu tinha que fazer para construir aquele estado. Era só esperar. De vez em quanto eu abria a porta e lá ficava por um pouco, sem nada pensar a respeito, apenas sentindo.
Depois da meia-noite,finalmente entrei no quarto e tranquei aporta. Notei o silêncio da casa. À meia-luz, e que só não bruxuleava porque não era de velas, percebi que não daria para usar tinta a óleo. Sai pela casa à cata de folhas de jornal com as quais forrei o assoalho e coloquei a tela descansando em cima. Como eu tinha uma porção de frasquinhos de tinta acrílica para tecido usados em outros experimentos, escolhi-os através do que a fraca iluminação me permitia, algo meio intuitivo. Só faltavam os pincéis, mas preferi deixá-los no escuro, e pintar com o que me viesse às mãos.
Foi assim que pintei a tela à cima e, depois de trinta anos deste feito, o nome que ficou para esta tela é "Habitando nos quatro elementos".
Obs. 1.: Se alguém clicar sobre a tela, poderá ver a minha assinatura. Nas telas daquele tempo eu assinava Oriaj, e que é Jairo de trás para frente. Para vê-la, clique na foto e, depois, no canto inferior direito.
Obs. 2: Em 1980 eu pintei uma tela com tinta acrílica executada com iluminação por traz, o que me levou a construir a tal caixa com iluminação em seu interior. Onze anos depois eu pintei uma outra tela à óleo e que depois de pronta pode ser vista como uma releitura daquela. Esta tela à óleo é a que está estampada na página inicial deste meu blog.
Jairo Ramos Toffanetto