(Continuação da postagem de 1º de janeiro de 2011)
Curioso como meu pai sempre achava bolinhas de borracha em diferentes tamanhos pelas ruas por onde passava. Alegremente ele as entregava aos netos, pois sabia que a diversão era garantida, seja pelos saltos espetaculares e demais diabruras da bolinha, seja pela criatividade de jogos inventados pelos meninos e também pelas inúmeras possibilidade de desenvolvimento da coordenação motora.
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Dois dias antecediam o almoço de Natal. Conforme combinado com minha mãe, levava-lhe um peru para descongelamento e preparo. De bicicleta e com o peru dentro de uma mochila, na verdade uma enorme pedra de gelo às costas, e que me obrigava revezar as mãos como um anteparo de proteção. Já nos primeiros cem metros – eram nove quilômetros a percorrer sob um sol à pino – pensei em voltar para tomar um ônibus, mas me ocorreu que deveria haver alguma boa razão para aquilo. Eu tinha uns quarenta minutos para encontrá-la pelo caminho. Enquanto a buscava, recordava-me dos natais celebrados com minha família na casa dos meus pais enquanto ele, o Sr. Orlando, estava vivo.
Era a primeira vez que eu levava um peru de festim para a casa dos meus pais. Das outras, como num ritual, eu cuidava de levar a champagne e o refrigerante. A Regina aprontava a maionese e a sobremesa. Os meninos levavam jogos para brincarem com o “vô”. Que o fato de eu levar o peru pudesse significar a representação da ausência do meu pai, parecia-me uma razão óbvia demais.
No último – quatro anos atrás – foi a minha mãe quem nos abriu o portão. Entrei pela casa à procura do meu velho e bom pai. Fui encontrá-lo no andar de baixo, na cozinha, de avental, fatiando o peru de natal. No dobra da escada o chamei por pai, e ele me sorriu com um semblante divino, estampado de bondade. Ele estava iluminado, parecia brilhar felicidade. Todos os seus gestos, tudo o que fazia ou dizia, tudo, tudo ritualesco, um sacerdócio.
Pedalando a bicicleta e remontando as imagens daquele dia de celebração, tive para mim que aquele fora um dia perfeito para ele. A Regina, sentindo algo parecido, disse-me na volta para casa:
- Jairo, tive a impressão de que o seu pai estava se despedindo.
- Como foi esta impressão?
- Ah! senti isto desde que o vi, mas especialmente quando no fim da tarde o chamei para provar o bolo com cobertura de maracujá que acabara de tirar da geladeira.
Por causa dos meninos, meu pai, como num ritual, sempre reservava ou um pote de sorvete para depois dos almoços de domingo, de modo que a sobremesa sempre é deixada para a despedida, É nesta hora que nos Natais deixamos para abrir a champagne. Como os meninos preferiram o sorvete, e a Regina lhe dizendo que a sobremesa havia sido feita para ele, meu pai, tomando a sério estas palavras, numa sentada, comeu quase todo o bolo.
O vovô e o netinho
O meu pai e o Yung quando ainda bebê.
Tentei distrai-lo perguntado sobre o seu Corinthians, mas ele, pela primeira vez, não demonstrou nenhum interesse em conversar sobre futebol. Falecera trinta e três dias depois, um dia após seu aniversário, e sepultado no dia do aniversário da Regina.
De volta à antevéspera do Natal, nos quinhentos metros restantes para chegar com o peru à casa de minha mãe, parei com as reminiscências e deixei a mente livre para que o significado daquela Natal em especial se apresentasse. Faço algo parecido quando sinto uma vontade enorme de escrever um poema, só que não tenho idéia nenhuma a respeito, e apenas a certeza absoluta de expressar aquilo que eu nada sei a respeito, e quando isto ocorre, geralmente por um incidente qualquer, é inominável o prazer que isto me proporciona.
Abandonei a calçada e atravessei a rua em perpendicular à avenida para, à frente de um canteiro sombreado, refrescar-me um pouco. Aproximava-me dele quando notei reflexos de luz ao chão. Um raio de sol atravessara a copa da árvore incidindo sobre um objeto redondo. No exato momento em que o identifique, exclamei com a imagem do pai sorrindo em minha mente.
- Ah, mas é uma bolinha de borracha!!!
- Ah, mas é uma bolinha de borracha!!!
A presença do meu pai era, pois, o significado daquele Natal. Um presente para mim. Para ele, o maior presente sempre foi o da “união” da família.
Meu pai, obrigado pela tua passagem em nossas vidas.
Em tempo:
Ao encontrar a bolinha de borracha, e antes que meu cérebro pudesse identificá-la como tal, o que primeiramente vi foi um refração de luz. Agachei-me para pegá-la. Ao me levantar foi que percebi estar de frente a uma esquina por onde começa o cemitério do Parque dos Ipês, e onde o corpo do meu pai foi sepultado.
Jairo Ramos Toffanetto
Procuro um(a) revisor(a) da ortografia e sintaxe para os textos deste blog.