Imagens de doces sempre aparecem postadas pelos amigos no facebook. Gosto de doce e dificilmente recusaria um destes que apresentam mas não desta instigação virtual ao paladar. Quase uma maldade, quase uma deselegância, quase uma cachorrada, pois, em geral, oferece-se o que se está comendo e é o que nos caracteriza como seres humanos. Já o cão rosna quando está comendo, nada compartilha, crava os dentes naquele que supostamente lhe ameça tomar o osso e, no fim, enterra-o pra ninguém mais saber dele.
Contraponho tais imagens empanturradas de doce com a de frutas sobre o tajer de casa. Afinal as frutas são o único alimento que ingerimos vivo, todos os demais passam pelo fogo da panela ou pelo calor do forno, ou até pelo atrito entre moléculas a gerar calor pelo microondas, o que é deveras cruel para com o alimento ainda vivo (os legumes) ou em hibernação (os grãos).
Será romântico demais dizer que houve um tempo em que comíamos frutas sobre o galho da própria árvore, ou é apenas puro saudosísmo? Pois me cansei de comer em mesa de restaurante de fábrica e ver pessoas que não comiam nenhuma fruta e também nenhuma verdura. Um deles me disse que não chupava laranja porque não gostava de descascá-la. Ora, na minha infância fazíamos um corte na casca e a descascávamos na unha. Quando meu pai viu que minha mãe tentava tirar a faca de de minha mão com medo que eu me cortasse ao descascar um delas, disse-lhe com um sorriso de orgulho no rosto:
- Deixa o menino. Não vê que ele está se tornando um hominho?
Eu gostava de maçã argentina a ser comida sem descascar e só para sentir o doce da casca. Esta é a melhor concepção de doce que posso compartilhar.
Voltando ao "sugar blue" e aos "tempos de antão", doces eram oferecidos como luxo após o almoço de domingo, como os mousses postos em taças de champagne, o manjar branco com calda e ameixa preta, o sorvete caseiro... também era dia de turbaína à mesa, guaraná, cruch ou grapete. Durante a semana podia sair um doce de abóbora com raspas de côco, curau, doce de mamão verde, doce de leite, de amendoim... Por falar em amendoim, "pé de moleque" era daqueles que ao ser mordido puxava fio. A goiabada que comíamos na casa da vizinha era feita em tacho de cobre... chupávamos bala de banana que saía da forma do forno em choque térmico contra a pedra fria da pia de cozinha. Maria-mole era feita de baciada e a criançada da vizinhança era convidada a compartilhar, e o mesmo se dava com as rodas de bolo de fubá - uma festa. Se íamos à casa de alguém, sempre saía uma roda de bolo caipira, ou se oferecia canjica com amendoim moído que se guardava na geladeira. Os doces de batata doce e de abóbora eram cristalizados ao sol. Aos domingos também era dia de sagu, o qual sempre vinha com sabor diferente ao da outra vez, ora de laranja, ora de limão, ora de vinho, e até com groselha. Delícias sem fim e impagáveis por que simples, por que... havia amor como ingrediente mais importante. Dar doce ao outro era sinônimo de bondade, das mais caras intenções entre as pessoas.
Tá, tô a dizer de doce, doces de uma época doce. A novidade era bossa-nova, rockn'roll e música romântica italiana, patinete e bambolê, matinê de cinema, gente acompanhada de doces assobios de alguma modinha da época. Cantava-se nos bares e nas casas, nas ruas, declamava-se quadrinhas populares, contavam-se "histórias do tempo do onça", e as de Pedro Malazarte eram muito populares. Época em que todo acontecido dava samba.
As mulheres usavam laquê nos cabelos e a nova moda era o formato exú de abelhas. Elas começavam usar calças compridas e a dirigir automóveis. Usavam vestidos tubinho e nas cores dos papéis de balão, cílios postiços, fumavam em piteiras, mascavam chicle... Tudo isto era muito doce, imensamente doce, intensamente doce, irreverentemente doce. As pessoas sonhavam e deixavam o outro sonhar. Viviam como obra de arte.
Enfim, hoje não vivemos tempos heróicos ou poéticos, mas a era do abstrato, do atemporal, do adimensional. O estado de encanto é em néctar, mas a Poesia que o move ainda foi decodificada nem pelos propalados aos quatro ventos pelos avatares da vez. Ingressamos numa nova era, e de puro movimento ascensional a exigir interatividade multidisciplinar e não mais especialidades, a exigir conhecimento no lugar da informação, a exigir o novo inteiramente novo, o moto-perpétuo do movimento da inação. A maior novidade que esta Era Atemporal traz é a mais antiga de todas: o amor, a bondade, tudo do que gera paz, o equilíbrio, a delicadeza.
Hoje (sábado) um mísiel palestino foi interceptado no céu de Tel Avive. As nuvens que pude ver nos céus da reportagem televisiva contavam outra coisa para além da fumaça escura deixada pelo choque entre bombas. Elas diziam da eternidade, da Paz em seu significado de harmonia, mas este céu ainda é um continente desconhecido sobre as cabeças.
Ainda se faz guerra pela paz porque nada se sabe da Paz. Fatos nefastos, de grande estrago em nosso aziago universo humano. Imagino estes dois povos atirando bombas contra o outro, e de maior número de megatons possível. A de Israel explodiria de modo a cobrir a Palestina com rosas e o seu doce perfume no lugar do cheiro de pólvora. A Palestina devolveria tal gesto com outra bomba. Uma que ao explodir oferecesse uma chuva de doces árabes sobre toda a Israel. Tantas rosas e doces que seriam compartilhadas com os povos vizinhos, e tudo viraria festa, acabava em samba. Eu mesmo rumaria pra lá só para provar o doce sírio, e também lhes compartilharia a nossa mais singela rapadura ao som de um maracatu atômico.
Jairo Ramos Toffanetto