Águas que passam. O poeta está sentado à margem do rio. Lavrando palavras? O rio traz coisas e ele nada pega. Sentado sobre uma touceira de barba de bode ele mordisca um talo de grama.
Com uma vara de pescar lança anzol com isca. De talo em talo de grama ele nada pesca. A linha do anzol dá um estirão. Recolhe a linha puxando um sapato velho cheio de lama.
O rio lhe traz uma canoa vazia e nela ele segue rio adiante. Nunca mais volta àquele ponto de partida.
Ei-lo noutra margem de rio cochilando sobre uma touça. Acorda assustado. Teve um sonho intenso. Sonhou ter gasto um pé de sapato. Olhou ao redor mesmo sabendo que não haveria o outro pé. Puxa um talo de grama e já não o mordisca, nem atira anzol ao rio. O rio vai passando.
Num dado momento as águas borbulham. Um crânio emerge do fundo das águas. Mordisca o talo de grama para ver se não estava sonhando. Entra nas águas e puxa toda a carcaça pra margem, um esqueleto calçando o outro pé de sapato faltante. Enterra-os.
Jairo Ramos Toffanetto
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