Na esquina da Av.C.F.Endres com a Av.Guarulhos ocorreu-me
estar de frente para o mar, mas não em relação ao mesmo sol que, por aqui,
insiste em não aparecer nesta manhãzinha de sexta-feira, ou ao céu aberto, livre
para as “voanças” das gaivotas, mas ao clima pesado, rente ao chão, denso de
carros passando apressados ocupando cada centímetro de espaço.
Chegam abruptos como uma onda a quebrar na praia e, ao
contrário de um descansado marulho, avançam pela avenida com nervosas arrebentações
sonoras. As motocicletas mergulham no meio dos veículos como um golfinho no
meio de cardume de sardinhas.
Não ouço o romântico apito de navio, ma uma apreensiva sirene
de ambulância forçando caminho no meio de cações. Ouço troca de xingos, algo feroz,
vomitado. Não sabia que tubarões gritavam.
Nas calçadas, ninguém está a caminhar pela manhãzinha. Por
um pesadelo se anda quase sem pernas, correndo. Mochilinha nas costas e olhares
fixos num ponto esquisito.
Passo por uma lanchonete. Não sinto cheiro de pão na chapa.
O do café se mistura como o da pinga no hálito do balcão. Cito em bom tom o
nome do maço de cigarros que fumo, mas estão todos de gargarejo na frente da
televisão. O balconista me aborda se mostrando apreensivo com a notícia que
acabara de ouvir, e arrota-a para mim.
Paro de escrever. Dou-me conta que não ouvi um único
passarinho cantando. Penso “se esta manhã não é boa para os passarinhos, também
não o é pra ninguém.” Os carros, caminhões e ônibus passam roncando. Os
motoristas passam acelerando nervéticos, gritando com suas buzinas. As rodas
dos veículos passam esperneando pela curva.
Hoje, a partir das 14:00 h, o povo daqui começa se juntar
nas ruas para manifestações marcada para as 16:00 h no centro da cidade de
Guarulhos. Não me surpreenderia se reivindicassem a volta do canto dos
passarinhos, os bons ares, a vida com “V” maiúsculo. Creio que isto tudo
está engasgado, enroscado no duto dos ouvidos, da garganta, e travando e
evacuação. O povo está cheio, cansado da vida agressiva, dos aproveitadores e
bandidos de plantão em toda esfera da sociedade.
Ah... os arruaceiros... os infiltradores... os mau
elementos... o pomo da discórdia... a maioria das cidades brasileiras os
merecem, juro que os merecem. Já passou da hora das cidades serem repensadas.
Vivemos um tempo pós-desenvolvimento a todo custo. Custa mais que vinte
centavos. Qual o custo de vidas massacradas? É o fim da revolução industrial. O
tecido social se esgarçou e não cabem remendos novos.
Jairo Ramos Toffanetto
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