Bar Recanto Novo
(Parte 1)
Recanto significa canto afastado, retirado, menos à vista,
esconderijo, e daí o fato dos botecos serem, quase todos, mau iluminados,
cheirando à llingüiça, ovos cozidos, torresmo e
a... azedo do indefectível mictório.
Lugar da pinga, da “mardita” com a qual muitos “matam o
bicho” e todas as coisas que o comum dos mortais não consegue lidar, a começar
consigo próprios.
Se você passa por uma porta aberta de um salão escuro, sem
nome de identificação, e se depara com um cachorro coçando pulgas sob a soleira
de entrada, pode identificar como um destes “esconderijos” de pequenos e grandes pecados.
Suas vistas precisarão se acostumar com o breu para ver o que ali se encontra.
Encostado ao balcão, alguém resmunga ao outro o seu mal-estar
para com a vida. Dize-o sob a profundidade do palco de luz bruxuleante, e se
der bobeira, é provável que te convide para “tomar uma”, beber do mesmo fogo. A tirar por que o ouve, imagine-se com
cara de cachorrão e de olhos mortiços qual o de sardinha frita.
Do outro lado do balcão, não será difícil ver aquele que, num
extremo de delicadeza, nem tira o palito de dente do canto da boca ao bebericar
a “branquinha”, a maldita. Depois se arrepia todo. A culpa é dela, né?!, deve ser, e depois joga no chão um
pouco do aguardente para o santo. Pra quem tiver curiosidade para saber do santo
protetor destes, basta imaginar.
De repente um gigante toma conta da porta de entrada e o
boteco fica ainda mais escuro. Quem salivava a pinga dentro da boca não ousa
engoli-la. Só se vê o branco de olhos sobressaltados. Econômico nas palavras, o
brutamonte não faz questão de saudar seus comparsas da “aguardência”. No lugar
de “bom dia”, apenas diz a última sílaba “dia”, seca, entre os dentes escuros, avisando
que apenas está marcando presença, e que veio pra beber não pra conversar.
O mais fraquinho dos convivas, um magrinho cozido pela
pinga, e com a barriga pronunciando cerveja, reverencia o grandão com a cabeça,
mas no canto da boca e nos olhos emendados à sobrancelha, sorri com mil
demônios, os ditos cujos a quem chamam de santo. E assim ele responde o
cumprimento:
- Diabão (leia-se dia bom),
mas não se engane, é mesmo o “coisa-ruim”.
Outro dia eu continuo esta crônica, a Parte 2.
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