terça-feira, 30 de agosto de 2011

Julio Cortázar - "Papéis Inesperados"


(Este texto foi extraído de um catálogo que Cortazar escreveu para a exposição de Otano, 1949)

“Coisa boa é pintar, se servir para despintar-nos da má pintura que cobre a realidade ensinada e nos deixa com a alma polida a Duco.

… Temos muitíssimas pálpebras, e, no fundo, e perdidos estão os olhos. A lista de pálpebras – que continuo descobrindo e classificando – inclui a instrução primária, o contrato social, a tradição, o culto aos antepassados sem discriminar entre os meritórios e os idiotas, o realismo ingênuo, a esperteza, o ninguém vai e engambelar, a necessidade de combinar com o guarda-roupa provençal, o cinema e Vasari. As pálpebras são muito úteis porque protegem os olhos; tanto, que afinal não os deixam despontar para beber o seu vinho de luz. Otano, com grandes alicates, começou a arrancar pálpebras. Ai, dói; e como. Parece que faz ver estrelas.

Os olhos são para ver estrelas. “

Julio Cortazar, papéis Inesperados, 2010, ed Civilização Brasileira

Em tempo:
Cortázar é considerado um dos autores mais inovadores e originais de seu tempo, mestre do conto curto e da prosa poética, comparável a Jorge Luis Borges e Edgar Allan Poe. Foi o criador de novelas que inauguraram uma nova forma de fazer literatura na América Latina, rompendo os moldes clássicos mediante narrações que escapam da linearidade temporal e onde os personagens adquirem autonomia e profundidade psicológica inéditas.

Seu livro mais conhecido é Rayuela (O Jogo da Amarelinha), de 1963, que permite várias leituras orientadas pelo próprio autor.

Cortázar inspirou um grande número de cineastas, entre eles o italiano Michelangelo Antonioni, cujo longa-metragem Blow-up foi baseado no conto As Babas do Diabo (do livro As Armas Secretas).

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