O dono da padaria estava nervoso. Era a segunda vez na semana que ele e o Ninho, o entregador de pão, davam fé da falta de alguns deles.
Tão logo os pães eram assados, e antes mesmo de abrir a padaria, um cesto deles era deixado na calçada ao lado dos litros de leite. Ainda no escuro da madrugada, o Ninho passava com uma perua Kombi e os recolhia. Era no final da entrega que ele percebia a falta de três a cinco pães. Ele achava que o Portuga não os contava direito, e o outro dizia que durante anos ele nunca errara na conta dos clientes.
Era véspera de Natal. Conforme combinado com o dono da padaria, neste dia ele passaria mais cedo para terminar logo a entrega e se ver livre para seguir viagem ao interior do estado.
Estacionou a perua Kombi dois quarteirões antes da padaria e foi para lá ficar de tocaia na esperança de surpreender um possível ladrão de pães.
Caminhava pensando que sempre odiara os ladrões de galinha, e agora, também os de pães, pois julgava que eram coisas que se alguém estava desesperadamente precisando era só pedir. Entendia que ninguém deixaria de dar o que comer a que estivesse com fome.
“Roubos destes eram coisa de sem-vergonha”, pensava ele.
Ao virar a esquina ele se surpreende com um pequeno menino se afastando com os braços cheios de pão contra o peito. Atônito, exclamou num sussurro:
- É só uma criança!
Vai ao seu encalço e, sem fazer barulho, dá-lhe voz de comando a três passos de distância:
- Páre aí, menino. Deixa-me ver o que você está carregando.
O menino ameaça correr, mas um pão cai ao chão, e para não derrubar mais outro, ele fica esperando o seu executor. O Ninho percebe isto, e alivia sua raiva. Passa à frente do menino e ao olhar para ele exclama:
- Você?
O menino era tão pequenino e branquinho que mais parecia um ratinho solto na rua. Não dava pra ele ficar em casa com o pai porque vivia tomando uns tabefes dele. Desde sua última surra com o cabo do ferro elétrico, ele ficava dias na rua sem voltar para casa, e nunca conseguiu entender o porque seu pai fazia isto com ele. A vizinhança queria dar parte do seu pai, mas o menino se colocava contra.
Sempre havia alguém que o chamava para entrar. Ia direto para o chuveiro, e já de roupas limpas, sentava-se à mesa para comer.
Quando voltava para casa ele corria abraçar o pai. Este o abraçava de modo esquivo, e nada lhe dizia. Uma só vez o pai lhe perguntou se ele estava indo à escola, mas não lhe disse uma única palavra ao ouvir que o filho quase não freqüentava as aulas.
O Ninho era um dos vizinhos do bairro que já o havia abrigado em sua casa. Com todos os filhos já casados, ele e a mulher certa vez pensaram em dar parte na polícia e tomar a guarda da criança se fosse preciso, mas era uma situação delicada, afinal, por pior que fosse para o menino junto do pai, ele tinha uma casa para morar.
Olhando para o menino e pensando nisto tudo, disse para ele:
- Pelo que sei você estuda à tarde, não é mesmo?
- Estudo, respondeu o menino com voz esganiçada.
- Então a partir de agora você me ajuda na entrega com a Kombi. Vai receber um dinheiro por isto, assim você nunca mais vai precisar roubar pão. Espere-me aqui que vou pegar os cinco pães faltantes do cesto.
Ao término da jornada, o Ninho o levou para sua casa. Pediu à mulher a vasilha mais bonita que tinha e a encheu com pães, panetone, frutas de natal e um litro de leite. Ao entregá-la pro menino, disse-lhe com carinho:
- Olha menino, isto aqui é para você levar pra sua casa. Tenha um feliz natal.
Mostrando-lhe um envelope, recomendou-lhe:
- Não abra esta cartinha. Entregue-a para seu pai, entendeu?
Quando o pai a leu começou chorar.
- Pai, porque o senhor está chorando?
- Vem cá, meu filho. Deixe-me abraçá-lo.
Depois do abraço o pai lhe disse:
- Não mexa nessa cesta que você ganhou. Com ela vamos fazer uma mesa de natal bem bonita, do jeitinho que sua mãe fazia quando era viva. Aliás, você já fez seu pedido para o Papai Noel?
O menino chorou e não conseguiu responder. O pai o abraçou e chorou junto com ele.
No dia de Natal, logo pela manhãzinha, a vizinhança viu aquele pai brincando de bola na rua com seu filho. Era uma bola de capotão, novinha novinha. Aquela travessa de Natal nunca mais saiu do centro da mesa deles.
ta: Qualquer semelhanç com história da vida real é pura verdade.
Jairo Ramos Toffanetto