quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O "escadão" na trilha dos contos de fadas


Eu não repararia no muro do "escadão" caso não tivesse descido da bicicleta para empurrá-la morro acima. Fui atraído pelas cores de um grafite num pequeno trecho de sombra.

Até voltar com a máquina fotográfica, algumas reflexões passaram a me rondar.

Neste desenho, a arte, como um pictograma da realidade, põe luz sobre o que não é comumente visto, ou melhor, traz para o consciente o que estava na ante-sala (o subconsciente). Há valor nisto, todavia, na expressão artística em geral (culta ou não culta), raramente as idéias são fundidas para trazer a linguagem da expressão absoluta, na razão máter do que somos, e se ainda não somos, aonde é que poderíamos ou deveríamos estar - como chegar (o vir-a-ser) é para a filosofia e não para a arte.

As artes, em que pesem suas luzes, não tem ido além do reportar as condições intrínsecas e extrínsecas encontradas. Por mais que as idéias sejam brilhantes, elas não se fundem para operar integração ao que é maior do que nós somos, por assim ser, quase nunca vai mais além do que temos sido. Com artes e filosofias débeis, o homem em comum não sabe aonde chegar, e assim os povos, as nações, o planeta.

Em linhas gerais, ao contrário do reportado no desenho acima e na linguagem da citada razão máter de nossa existência, a mulher vem para libertar o homem e vice-versa. Um processo de crescimento evolutivo em busca da felicidade. Constroem-na a partir da segurança adquirida pelos obstáculos vencidos, pela conquista de suas individuações abertas em conjunto. Ao fim, a liberdade associada ao vôo livre, e o vôo livre ao prazer, ou condição sine quae non para se alcançar a paz, o reinar sobre si mesmo. Fora disto, o relacionamento homem-mulher é prisão, limitação, pobreza de espírito. Sobre isto não há na história da arte como algo idealizado a partir de princípios absolutos, eternos (exceto nos contos de fadas).

Enfim, o valor deste grafite está em abrir tal tema. Elevar-se-ia à milenar arte dos contos de fadas se, pelo menos, vencesse a parede, mesmo assim, este artista do grafite fez mais do que os artistas contemporâneos que conheço e pertencentes a uma elite tão vaidosa quanto burra.

 
Qual quadrinho de gibi, segue-se um personagem que escolheu um caminho próprio, só seu. De mochila nas costas ele parte para o mundo em busca da conquista do reino de si mesmo, mas encontra uma parede. A mão esquerda foi desenhada sobre um buraco de drenagem, enquanto a esquerda está espalmada contra a parede em avaliação da dificuldade. Haveria um martelo na mochila ou equipamentos de escalar, ou apenas trajes e rapadura? Se ele não vencer a parede, o obstáculo que se apresenta em sua caminhada, não chegará a lugar algum e deixará de crescer, de aumentar ser tamanho (interno) para transpor demais desafios, os quais sempre maiores. 


Se ele tangenciasse seu olhar, veria que pela frente há apenas um muro a ser vencido, talvez até visse as escadas "O Escadão a poucos metros dali, mas ficou com a dificuldade minando sua energia, drenando o seu tamanho. O tempo cuidou que o fundisse com os tijolos (estado atual de deteriorização do desenho). Enfim, a ação do tempo concluiu a obra, venceu o herói e o artista. Um final tão trágico quanto o reservado aos heróis mitológicos. 

Em conclusão, o artista poderia ter desenhado o herói do tema subindo o "escadão" pelo de acesso de patamares, ou pelo lado do "escadão" propriamente dito. Ao alcançar o topo teria um castelo - um prédio secular aonde hoje está instalado a Pinacoteca. Libertaria a princesa presa numa vitrine, digamos: num quadro em exposição. Já casado com ela, o herói que venceu a si mesmo estaria retratado na sacada do castelo. Seus olhos estavam postos no infinito, ou até aonde pudesse mirar no longínquo, e olha que não faltava muro para isto.

Jairo Ramos Toffanetto

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