Apesar de gostar de futebol, não imaginava escrever sobre este tema, e muito menos em referência ao arqui-rival do meu Palmeiras Futebol Clube, o Sport Club Corinthians Paulista, até que à meia noite de primeiro de setembro, uma queima de fogos me acordou. O Corinthians era no novo campeão brasileiro (2010) e, imediatamente me veio a imagem do Sr. Orlando Toffanetto, meu bom pai, o maior corintiano que conheci.
Para se ter uma idéia do quanto ele era apaixonado pelo seu time, certa vez, em uma sala de espera onde aguardava passar por uma pequena cirurgia, dores atrozes lhe obrigava sentar-se de lado, quase deitado, com uma perna no chão e a outra tomando conta do resto do sofá. Observando-o em silêncio, ora ele me parecia em profunda circunspecção, ora um sorriso feliz e, de vez em quando, com o rosto franzido, soltava um gemido quase mudo. Eu, que sofria pela dor dele, perguntava-me em que ele poderia estar pensando, mesmo porque, seu olhar parecia seguir cenas do passado. “Oh meu pai... meu paizinho...”.
Num repente estonteante para mim, eis o que ele me pergunta :
- Jairôo... será se o Corintians ganha do Palmeiras hoje?
“Ah, ele deveria estar relembrando cenas de jogo do seu saudoso Corinthians. Quem sabe se não era o Cláudio cruzando uma bola para o cabeceio fatal do Cabeção? ou seria um passe magistral de Roberto Belangero? dribles de Luizinho, o "pequeno polegar"? a raça de Idário? ou alguma defesa fantástica de Gilmar? Mas estávamos no ano de 1993 ou 1994. Época em que o Palmeiras formou um time insuperável. Pela sua pergunta, entrevi que, na imaginação dele, o seu time estava bombardeando o meu. Respondi-lhe com suas próprias palavras, textualmente:
- Pai, "clássico é clássico, não tem favorito" e "um time grande não perde três clássicos seguidos contra um outro grande time".
A resposta o anestesiou. Vi sua expressão de dor se transformar em sorriso. Pareceu-me que ele sofria mais pelo seu time do que a dor física que deveras o importunava. Entrar num “centro cirúrgico”, naquela altura do campeonato, parecia-lhe de menos. Ai meu pai..., meu paizinho... Naquele domingo fui um “corintiano orlandense”. Torci, e muito, pelo sr. Orlando, meu velho e bom corintiano, e que viria falecer uns quinze anos depois.
Eu tinha tudo para torcer pelo mesmo time dele. Quando lhe perguntavam
"qual a idade do seu menino", ouvia-o responder
"Ele nasceu quando o Corintians foi campeão do IV Centenário da Cidade de São Paulo", e colocando o outro no calendário corintiano, concluía com um sorriso maroto
"Agora é só você fazer as contas".
Tenho outras histórias sobre este pai corintiano que jamais questionou a minha alvi-verde preferência, ou fez alguma zombaria do meu time, nem do time dos outros. Ele gostava mesmo de futebol, e até a escalação do ataque dos times do Rio de Janeiro ele sabia de cor.
Certa vez, ele me levou ao Estádio Municipal do Pacaembu para eu ver o Garrincha, um legítimo representante do futebol-arte brasileiro, em jogo contra a sempre perigosa Portuguesa de Desportos. Lembro-me bem daquele jogo, um duelo do futebol espirituoso, admiravelmente galante, mas isto é assunto para uma nova postagem.
Por hora, no centenário do "alvi-negro da fazendinha" , deixo esta minha sincera homenagem a todos os bons torcedores deste time histórico e, em especial, in memoriam ao melhor corintiano que já conheci: o meu pai, cujo coração era tão grande quanto o futebol brasileiro.
Jairo Ramos Toffanetto
Reedição da postagem de 05.09.2010: