quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Pequeno lagarto - texto e fotoJRToffanetto

Pequeno lagarto. Fotografia de Rua em Jundiaí/SP - Bairro da Ponte. _texto e fotoJRToffanetto. 08.09.2020


Algumas sílabas estavam sumindo dos meus textos. Por exemplo, "às" vogal com crase qual inseto. Aspas quais asas voadoras. Uma joaninha? Pensava numa lagartixa. Américo, um inseto mais comprido desapareceu sem deixar vestígio. Inteiramente engolido? O devorador era maior

Lembrei -me que recentemente fotografara um pequeno lagarto. Seria ele o comedor de sílabas?Mandei-o pra lixeira, mas não consegui livrar-me dele porque... quem já ouviu o som emitido pela virtual trituração de arquivo? Daí pra frente, nenhuma palavra ou sílaba teve sumiço. Fora ele? Então comecei escrevendo para a lixeira: Constituição Brasileira, p.ex., inteiramente  devorada. Depois escrevi vinte linhas com a palavra Corrupção para ver no que dava. Mais tarde abri a  lixeira e  encontrei o lagarto de barriga e  perninhas pra cima. A cedilha enroscara a palavra na garganta. Fora ela, e não toda a corrupção que o matara. Justo um bichinho que não faz mal pra ninguém. Palavras? O que eram palavras para um lagarto que fazia outras leituras? Restaurei o foto da lixeira e deixei o lagarto aonde o fotografara. Mastigando lentamente um sinônimo de corrupção, ele saiu atravessando a rua em disparada. Uma roda de caminhão o amassou deixando-o tão fino quanto um papel. Observei que a cena fora acompanha por uma multidão de seus pares. Sumiram num bueiro de esgoto. Desde então, nunca mais apareceram, e logo agora que nossa sociedade precisava tanto deles. A corrupção, a indecência grassa.

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