terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Manoel de Barros _O apanhador de desperdícios

Maoel de Barros
O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios
Não gosto das palavras
Fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
Prezo insetos mais que aviões
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
Para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou apanhador de desperdícios
Amo os restos
Como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

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