PEQUENO ENSAIO
SOBRE O ESTRO POÉTICO E A METAFÍSICA DO BELO –
A PROPÓSITO DOS 150 ANOS DE ERNESTO NAZARETH”
Oh flor! / Meu peito não resiste”
Rosa - Pixinguinha (1898-1973)
As valsas e mazurcas, tangos e polkas de Ernesto Nazareth (1863-1934) foram compostas sob a mesma harmonia encantadora de uma rosa, resultando em obras-primas de graça, movimento e espontaneidade. Com esse espírito musical, ele se tornou, como estudiosos afirmam, o principal fixador do ritmo brasileiro. (habaneras maxixáveis”, ou “dança urbana genuinamente brasileira, já livre do caráter hispano-africano da habanera” – Mário de Andrade)
No ano que o país comemora o aniversário de seu nascimento, nada melhor que Mário de Andrade (1893-1945) para falar do dono dos traços mais originais da música popular do Brasil, pois Mário não só foi criado ouvindo e tocando ao piano as obras de Nazareth, como viveu parte da época daquele compositor, conhecendo-o pessoalmente. Era um profundo pesquisador da nossa música e, como é sabido, o principal vanguardista da “Semana de 22”, e que, até 1945, tornou-se a figura mais completa e mais representativa das letras brasileiras. Escreveu sobre Nazareth em 1926 (o Nazareth morreria oito anos depois):
Ele, o Nazareth “(...)teve a glória de ser tão familiar na pátria inteirinha, que todos falavam ‘o Nazaré’, que nem se trata um primo, um sobrinho e os amigos do nosso coração” e que sua obra “(...)É mais artística do que a gente imagina. Deveria estar no repertório dos nossos recitalistas.” Analisa sua música dizendo que (...)esse simplismo popular é disfarçado por um cromatismo saboroso, uma pererequice melódica difícil, em que a todo momento surgem notas alteradas, chofrando na surpresa da gente com o inesperado do inhambú abrindo vôo. E então com que ciência habilidosa ele equilibra as sonoridades!” Pergunta ele “O Nazaré... Quem era? Sutilmente responde “Não se sabia não. É inútil saber. Era um desses amores que estão na religiosidade obscura de todos os vivos capazes de querer bem, na parte de nós em que amamos os nossos mitos, os atos sem atividade, os nomes sem corpo, os anjos e os artistas.”
A isto tudo, acrescento: era alguém que, da Bondade, recebia botões de rosas no coração e os devolvia, em forma de música, ao meio em que vivia. Era uma alma que, por compartilhar da beleza, contagiou uma nação, que abriu caminhos às gerações futuras por dar curso à reelaboração da riqueza musical ouvida e sentida, modificando o ambiente social através da sonoridade elegante, harmoniosa, alegre e expansiva. Era um benfazejo criador musical. Criava interpretando a beleza do seu amor profundo, sonoro, fruto da sua integração com a Grandeza que nele florescia como a rosa, integrada ao meio e ao Todo.
Dominada a técnica pianística ao seu próprio modo, pôde compor maravilhas e, só para citar algumas, tão refinadamente belas como “Elegantíssima”, ou com a simplicidade de um “Coração que sente” tão macio.
Zequinha de Abreu (1880-1935) também viveu dessas delicadezas no coração, com menos requinte - é certo - mas quão grandes sentimentos! Apurados, encantadores. Imagino-o encontrando, sobre o seu piano, a rosa desfolhada. Ela que o acompanhara madrugada adentro, não resiste à tarde quente. Sobre as pautas de composição deixadas sob um solitário, a perfeição, em últimos suspiros, desprende suas pétalas que também caem sobre a tampa do teclado. Em cada pétala, um beijo derradeiro. Na solidão de sua alma, ele se emocionou ao contato da pureza gentil. Aquela rosa se despediu dele, mas ele não. Ao piano, sentindo a beleza dativa que se despede a cada instante de nossas vidas, não via que a lágrima próxima a se derrubar da sua pálpebra vinha concentrada de um arco-íris. Compõe a valsa “Rosas Desfolhadas – Flores Milagrosas”. Pungente e linda. Eterna.
Assim é a obra do Zequinha. Sentimentos brotados com a graça perene de um botão de rosa, ou qual crepuscular agonia do sol poente. Quem resiste à emoção de ouvir (leia-se sentir) “Branca” ao som de uma bandinha de coreto? O famoso choro sapeca “Tico-Tico no Fubá”, assim como “Pintinhos no Terreiro” e outros são catarses no cenário musical que a Providência, com um botão de rosa, descerrou no seu íntimo de brisa fresca.
O botão de rosa é a poesia que canta dentro da roseira ou de onde brota como nascente. É fonte que forma, em almas profundas, grandes lagos de águas calmas. Os artistas bebem deste veio. Suas sedes é de enxugar as águas das montanhas, de extravasar todo um mar de ternas e elevadas emoções, mas não secam uma roseira, trabalham na rosa e muitas vezes, num último gestos, espicham uma haste para além do muro.
A rosa, doando-se ao mais sutil, bebe do firmamento. Nas pétalas perfumadas, os poetas, diante do milagre da existência, a remanescente gota orvalhada translúcida de estrelas
Indo para outro traço do mundo musical, Heitor Villa-Lobos (1887-1959) também cursou, extremadamente, pela grandiosidade. De imensa síntese sentimental, suas obras, tanto na estrutura quanto no lirismo, vão interstícios ritmo-melódicos de nossa brasilidade, todavia, só para citar uma obra, ouso dizer que um botão de rosa o tocou para, depois, ele, o Villa, com a força da natureza, a solidão da floresta e da alma, desabrochar, por bondade, a sinfônica “Floresta Amazônica”, tão exuberante quanto a própria floresta ou a nossa cultura musical. Destaco-a porque, apesar da nossa alegre e famigerada fantasia carnavalesca, lá está a nossa tristeza, pujante e bela, tanto nos diálogos da orquestra como na composição lírica, na qual, a soprano Bidu Sayão, é um espírito cantante da floresta. Vejo a Dora Vasconcelos, autora das letras, com a sua lira sobre uma vitória-régia, mas foi com a perfeição da rosa em sentimentos, que ela, do coração – a morada do Divino –, pôde entrar naquela impecável essência musical.
Entrementes, todos foram roseira. O botão de rosa é a poesia que canta dentro da roseira ou de onde brota como nascente. É fonte que forma, em almas profundas, grandes lagos de águas calmas. Tais artistas beberam deste veio. Suas sedes é de enxugar as águas das montanhas, de extravasar todo um mar de ternas e elevadas emoções, mas não secam uma roseira, trabalham na rosa.
A rosa, doando-se ao mais sutil, bebe do firmamento. Estes poetas musicais, a última gota orvalhada soçobrante em suas pétalas, translúcida de estrelas.
Um dia, Ernesto Nazareth deixou de ver pela rosa e, não mais suportando os espinhos da roseira, perdeu o uso da razão. O Zequinha sofreu a vida toda com os tais espinhos, e de tanto amar a rosa, o seu coração parou para ficar só com ela. Villa-Lobos morreu inventando enxertos vários na rosa musical de todos nós, brasileiros. Um carcinoma instalou-se na sua roseira.
Se a relação dos nascidos no séc. XIX já é extensa, o que dizer dos nascidos no século XX e de invejável florescimento musical. As divinas páginas musicais deixadas por todos estes, não tomam conhecimento dos nossos espinhos pois, cantam, de imediato, na roseira que também somos, e nos põe em sintonia com os nossos próprios botões velados.
A Música é Divina!
Rosa (Pixinguinha e Otávio de Souza)
Branca (Zequinha)
Elegantíssima (Nazareth)
Nenhum comentário:
Postar um comentário