A inspiração é o dia-luz, a fotossíntese, o trabalho, a alquimia, a transformação da energia. A expiração é noturna, o expelir do que não mais serve, a limpeza, a reorganização interna para a atividade luminosa. Para a árvore, a manhã se estende por toda a primavera. O meio dia é o verão. O outono é o entardecer do dia, e o inverno é a longa noite escura. Assim, uma árvore de trezentos e sessenta e cinco anos de vida na contagem dos homens, tem, para elas, apenas um ano de idade.
Pois esta árvore é minha vizinha de quarteirão, minha amiga de reflexão. Ela leva meus olhos para o céu e me conta os segredos da paciência cá na terra. A cor de suas flores é a mesma do crepúsculo e das favas da romã. Fala-me da sua intimidade com a luz, o vento, a chuva, e que não teme os relâmpagos, gosta dos trovadores ribombos. Sabe cada música que o dia-luz canta. Nunca dorme, vigia os pássaros e conversa com as estrelas. Dá flores, sombra, beleza e lições de filosofia.
Eis algumas de minhas amigas da Av. Samuel Martions. |
Tenho uma vizinhança de muitas amigas pela Av. Samuel Martins e por toda Vila Progresso e Vila Arens. Os pés de romã, amora, pitanga, manga, abacate, limão e laranja cravo me atraem como aos pássaros, como ao menino que nelas se empuleiram. O de abacate, plantado na vizinhança do Jardim do Lago, foi pelas mãos da Regina, e já tem vinte e tres dias de vida. Gosto de vê-lo carregado de frutas - cada uma delas serve por uma refeição. Ele me fala da dadivosidade, do dar com fartura.
Uma destas árvores tantas de minha vida, certa vez me contou que do caldo oceânico saíram criaturas que foram se abrigar sob elas. Todos nós somos seus filhos por adoção e, depois, por sedução. Sentados, descansando sobre suas raízes, os homens aprenderam a contar histórias. A figueira da Praça São Bento me disse que depois de uma delas dar descanso ao homem, cochichou-lhe a balança, a mãe de todas as invenções, depois eles foram inventar a roda, o foguete, a televisão... mas, de todas estas, a que mais ela gostou foi terem criado uma namoradeira sobre seus galhos. Foi daí que surgiram os bancos nos jardins, nas praças públicas...
De todas as árvores da avenida, a que mais converso é a desta postagem. Conheço-a há tanto tempo e até hoje não fizemos conta de nos apresentar pelo nome. Bastamos-nos por saber estar. As árvores nem sempre contam as coisas de pronto, geralmente é ao longo. Ao se avizinhar o outono, fico enamorado pela sua beleza. As flores se dão no alcance da perfeição. Nada será suficientemente perfeito se não alcançar a beleza. Pois esta árvore flore apenas a noroeste e a oeste, para o lado do por do sol. Até ao fim do seu outonal entardecer, o belo não se despede dos meus olhos. Ela se apresenta o mais linda possível até a chegada da noite invernal. Suas flores quando caem, caem como benção na terra. Intimamente a chamo de árvore crepuscular, um poema sinfônico de terra e céu.
Dá-se tão bela diante da proximidade do seu estado espectral... da inclemência sazonal... Toda sua energia está refluindo, concentrando-se nas raízes, enterrando-se como semente, ou de que outro modo ela teria folhas tenras para, em estado primaverio, voltar a trabalhar em fotossíntese. Já não trabalha, descansa ao fim da tarde. Em descanso ela se dedica à arte daquilo que é maior que ela: as flores, e que se dão antes da hora marcada, ao fim do seu dia luz, perto da entrada da noite arbórea.
Uma de suas flores caiu, cruzou a lente da minha câmera fotográfica e ficou na minha retina, salva por todo o sempre em meu espaço mental em movimento. Ainda ei de fotografar uma destas flores em queda livre do céu para a terra.
Jairo Ramos Toffanetto
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