quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Pata de vaca (reedição revisada)


Madrugada de 27 ou 28/08/2010. Tudo, tudo estava parado. Silêncio absoluto. Eu estava no meio da casa, imóvel no escuro e em lugar algum. Não fazia sentido dar um passo pra lá ou para cá. Não havia o dentro ou o fora, só o nada. Nada a abstrair.



 A folha que dá nome
à árvore "Pata de vaca"
O nada não é um sentimento ou uma sensação, nem a ausência de pensamento ou de imagens mentais, é apenas o nada vezes nada, nem o tempo se transcorre nele. Se o nada me incomodasse, talvez eu prosseguisse em meu caminho ao pote de água, depois ligaria o fogo para um café, e em busca da lua eu subiria ao terraço com a xícara nas mãos. Ao voltar, abriria as janelas da casa pra renovar o ar e talvez regasse as plantas ao som da música de Shubert, por exemplo.

Enfim, como vivo em permanente vontade criativa, e ela não estava comigo, perguntei-me, de sobressalto, se o Belo havia se apartado de mim, o que significaria uma espécie de morte, e ouvi o vento arrastando uma folha seca contra a calçada do outro lado rua. Eu sabia: era uma pata de vaca retorcida pelo tempo, resistindo ao assopro invernal, agarrando-se ao chão com suas pontas aduncas.

Depois de tomar água, liguei o fogo para o café. Quando a água começou a roncar na caneca, rascunhei num papel que “O inverno espectral está de partida. A primavera, ainda velada, apronta o broto. O Belo canta a morte e também a vida.”

No terraço, tomei café sob a luz prata da lua decrescente. A descer, passei reto pelo rascunho. Enquanto o note estava sendo ligado, voltei-me à escrita e... “A primavera está compreendida no inverno. Pólos de uma só energia. O nada é um campo de força”.

Foi Chopin que me veio à mão. Coloquei o “cd” para rodar e voltei ao lápis e papel. “O Todo em cada verso é música e não um poema, um poema sinfônico. Pura Poesia.” Verso a verso é ponto a ponto  em subliminar ligação ao Todo que se depreende. A música é instantânea ao Todo.

Finalmente, ccm o computador ligado, abri o editor de texto. Na página em branco (o nada), finalmente a consecução da prática criativa. A madrugada, o nada, a folha seca sendo arrastada pelo vento na calçada, os preâmbulos sonambúlicos, o café sob a luz prata... Chopin.... e, agora, a composição´poética.

Sem nada saber, e apenas com a certeza absoluta da criação artística e do puro prazer, com as mãos paradas sobre o teclado pensava em procurar, à luz do dia, a incidental folha seca para fotografá-la e juntá-la aos versos que no instante seguinte estararia composto. No final da tarde, depois de ver centenas delas, encontrei uma que se integrava tão perfeitamente àquela madrugada, ao poemeto então composto, que mais uma vez me vi só como um instrumento.


 
"Folha seca"

Oh, quero cantar,
e canto, canto co’a voz,
a voz que canta em mim


 Terminado o rascunhão do texto daquela madrugada, novo incidente: uma mariposa inteiramente preta entrou pela janela. Novo tema para nova postagem que há de vir.



No fim da tarde daquele mesmo dia, a árvore (pata-de-vaca) em foto tirada do terraço de casa.

Jairo Ramos Toffanetto

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