Madrugada de 27 ou 28/08/2010. Tudo, tudo estava parado. Silêncio absoluto. Eu estava no meio da casa, imóvel no escuro e em lugar algum. Não fazia sentido dar um passo pra lá ou para cá. Não havia o dentro ou o fora, só o nada. Nada a abstrair.
A folha que dá nome à árvore "Pata de vaca" |
Enfim, como vivo em permanente vontade criativa, e ela não estava comigo, perguntei-me, de sobressalto, se o Belo havia se apartado de mim, o que significaria uma espécie de morte, e ouvi o vento arrastando uma folha seca contra a calçada do outro lado rua. Eu sabia: era uma pata de vaca retorcida pelo tempo, resistindo ao assopro invernal, agarrando-se ao chão com suas pontas aduncas.
Depois de tomar água, liguei o fogo para o café. Quando a água começou a roncar na caneca, rascunhei num papel que “O inverno espectral está de partida. A primavera, ainda velada, apronta o broto. O Belo canta a morte e também a vida.”
No terraço, tomei café sob a luz prata da lua decrescente. A descer, passei reto pelo rascunho. Enquanto o note estava sendo ligado, voltei-me à escrita e... “A primavera está compreendida no inverno. Pólos de uma só energia. O nada é um campo de força”.
Foi Chopin que me veio à mão. Coloquei o “cd” para rodar e voltei ao lápis e papel. “O Todo em cada verso é música e não um poema, um poema sinfônico. Pura Poesia.” Verso a verso é ponto a ponto em subliminar ligação ao Todo que se depreende. A música é instantânea ao Todo.
Finalmente, ccm o computador ligado, abri o editor de texto. Na página em branco (o nada), finalmente a consecução da prática criativa. A madrugada, o nada, a folha seca sendo arrastada pelo vento na calçada, os preâmbulos sonambúlicos, o café sob a luz prata... Chopin.... e, agora, a composição´poética.
Sem nada saber, e apenas com a certeza absoluta da criação artística e do puro prazer, com as mãos paradas sobre o teclado pensava em procurar, à luz do dia, a incidental folha seca para fotografá-la e juntá-la aos versos que no instante seguinte estararia composto. No final da tarde, depois de ver centenas delas, encontrei uma que se integrava tão perfeitamente àquela madrugada, ao poemeto então composto, que mais uma vez me vi só como um instrumento.
"Folha seca"
Oh, quero cantar,
e canto, canto co’a voz,
a voz que canta em mim
Terminado o rascunhão do texto daquela madrugada, novo incidente: uma mariposa inteiramente preta entrou pela janela. Novo tema para nova postagem que há de vir.
Jairo Ramos Toffanetto
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