“No prólogo está toda a temática. O clima se cria aqui. O resto decorre.” Dr. Celso Charuri – Médico, filósofo, idealizador da Pró-Vida, e meu mestre.
Um poema começa a ser escrito quando não cabem palavras. O romance, quando estas se adensam e, no conto, como em recorte. Na crônica, as palavras vêm soltas e mais próximas da oralidade que no conto, tão fugaz quanto a vida cotidiana, ou tão perto da eternidade como a poesia, ou da compreensão profunda qual ensaio filosófico, ou tão bela quanto arte plástica.
Se a crônica perpassa idéias da complexa atualidade, também se abre para trazer uma visão original ao ultrapassar lugares-comuns, como evocação natural para a harmonia e serenidade, em tempo presente, antecipando o futuro ascensional que está além do simples retorno à Idade de Ouro (ideal grego).
Com ou sem princípio ou fim, a impressão que se tem é que a crônica não precisaria ser escrita, assim como as pessoas conversar. Saber conversar é poder jogar conversa fora. Saber escrever é poder jogar crônica fora.
Numa roda de conhecidos ou de desconhecidos, o que os reúne e os mantém é a capacidade de jogar conversa fora. Simpática na despretensão dos motivos, abre a via da expressão comunicativa em direção espontânea, franca, atraente, magnética, enfim, de fácil amizade.
Assim como escrever, conversar de súbito é uma delícia. Clara procura pela simplicidade no exercício da sociabilidade, leve prática dos modos civilizados, do conhecimento resultante de princípios, soltando elos da sufocada mesmice náufraga, percorrendo o curso natural do rio da vida, como uma braçada que outra, simples, sem esforço, em atmosfera livre, como por uma fenda no espaço-tempo, recriando o aqui agora, já num Mundo Bem Melhor.
Esta é a utilidade, ou atitude, de se jogar conversa fora. Sem isso não ocorreria o desenvolvimento criativo de idéias livres, multiplicando o modo de ver e pensar, até o ponto em que as pessoas, envolvidas como por mágica, de repente, descobrindo-se melhores do que se imaginavam ser, doando pérolas que elas não imaginavam ter, e não como manifestação de preciosismos egóicos, mas de confiança na vida, ganhando renovação dos bons propósitos, em valor da concórdia ancorada entre os presentes, em valor de um sorriso solto e amigo, em valor da troca e da afeição. O coração humano dado de presente.
Assim é a crônica. Um laço bem feito com o leitor, sobre um presente. Se o laço não servisse para nada, há muito já teria sumido dos presentes, e com ele, os papéis especiais, ficando só o embrulho. Um simples embrulho pode gerar desconfiança, sentimento de abuso, embaraço, ou, na melhor das hipóteses, mais um embrulho perdido do brilho da intenção, da vibração, da geração de clima, dessa coisa da gente como selo da alegria.
Laço e presente servem para a felicidade, ou a reafirmação dela antes do objeto em si. O bom deste gesto poético é que o presenteado, na medida em que desfaz o laço de fita, sem saber como expressar aquela emoção, diz “não precisava, não!”, mas é lido no seu íntimo “que bom que ganhei”, e depois, com os sentimentos resumidos num sorriso, ouve-se a exclamação “era do que eu estava precisando”. A crônica é assim “uma coisinha simples...”, “só pro seu agrado...”, “se quiser, troco-a por outra”.
Presente sem laço é donativo, é favor. Laço é a lembrança de que o presente vem de dentro, do coração, essa caixinha musicada de surpresas... teimoooso..., até os braços (ou laços) se abrirem mostrando o tamanho do coração (ou brasa) que se apertam num abraço, num enlace, até fundirem aquela emoção em bem-aventurança, transformando a vida num ritual, num culto da felicidade, numa dádiva em amplidão.
Destes de tirar o pó das costas do coração – as cinzas da brasa –, os abraços mais vigorosos são delicados laços de fita, só um pouquinho mais apertados, é claro. Às vezes, os corações ficam tão enormes que o abraço só é possível com um dos lados, de meio corpo, quando, então, o presenteado encosta o ouvido no coração do outro ouvindo o seu próprio moto-perpétuo, esse mecanismo perfeito, cheio de rubis, cheio de corda para tão delicadas, tão sutis engrenagens mantenedoras do calor humano como um sol irradiando desde o peito.
Tal é a crônica enquanto objeto de construção criativa dos mais nobres ideais humanos. Um coração aberto. Um presente num laço de fita.
Jairo Ramos Toffanetto
Fundação Cultural de Canoas (RS) |
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